Atrás do balcão
Depois de 3 meses conhecendo o mercado cervejeiro na Europa, resolvi ancorar em Nova York para fazer o mesmo nos Estados Unidos. E, nesse meio tempo, fui fazer um frila de bartender em um bar de cervejas artesanais aqui no Brooklyn.
Antes que o leitor ache que isso tem a ver com alguma pretensão de fazer jornalismo gonzo, vou cortar o romance de cara e ser honesta: na real eu preciso complementar a renda.
O dólar está aloprado, eu ganho em reais, e, bem, é verdade que também gosto de trabalhar como bartender.
Afinal, o meu trabalho já é conversar com pessoas que estão no meio cervejeiro. Entender, a partir da visão de quem está nesse universo, quais são as tendências, como funciona o mercado, do que elas mais gostam.
Por que não fazer o mesmo com os consumidores? É até mais fácil porque, em geral, eles estão bêbados. E bêbado não mente.
O frila que eu peguei, entretanto, era tão intenso que não consegui nem beber água. Quem dirá conversar com a turma.
Fui chamada para complementar o staff do bar de cervejas artesanais The Well, que fica em Bushwick, no Brooklyn. Eles precisavam de gente para trabalhar em um evento grande. A ocasião era especial: o aniversário de 5 anos do bar.
Cheguei na manhã do sábado (16) para ajudar no “abre”. A casa levantaria as portas às 10h. Às 8h50, quando estava na esquina, vi uma turma aglomerada perto da entrada e pensei “carai, o after do vizinho tá bom, hein”. Era uma fila de pessoas esperando para o The Well abrir.
Don’t panic. Entrei no buteco e falei pro gerente: “Ian, tem gente acampada aqui fora esperando o bar abrir”. Ele respondeu “Eu sei. Estão aí desde às 6h30”. Ah tá.
Se isso é coisa de americano eu não sei. Já ouvi relatos de outras filas igualmente ou até mais impressionantes, mas em festivais mais “bojudos”. No Mikkeller Beer Celebration, que acontece na Dinamarca, ouvi dizer que as pessoas chegam às 5h da manhã para garantir edições exclusivas de cervejas feitas para o evento.
Mas é um dos maiores festivais da Europa, promovido pela Mikkeller que é uma cervejaria super hype. Não é o aniversário do buteco da esquina (sem desmerecer).
Daí pra frente só desgraça. A festa tinha 800 pessoas confirmadas e, diferente do Brasil, aqui, se você confirma, você vai. Estávamos em cinco bartenders para servir 45 opções de chope. Como eu disse, não deu tempo de tomar água.
“Se alguém inventar de pedir um drink em vez de cerveja eu vou dar um soco na cara do cliente”, riu de nervoso a Nat, minha colega que também era frila, como eu. Ainda não sei se ela estava brincando.
O tom do relato é de pânico mas, no geral, conseguimos atender a todos sem muitos percalços. Havia uma série de cervejas comemorativas feitas para a ocasião e, no fim, acabou que a maioria pediu isso.
O que foi bom porque, obviamente, nenhum de nós conhecia todas as 45 cervejas plugadas. Fora que trabalhar atendendo gente que sabe o que quer é muito mais fácil. Aprendi, entretanto, que se você tem que responder a respeito de uma cerveja que não conhece para uma pessoa indecisa que está atravancando uma fila de outros duzentos pedidos, é só ser assertivo.
“Entre essas duas aqui da Foam, a Pavement ou a Caribou. Qual você prefere?”.
“Definitivamente a Caribou”, respondi em três segundos olhando no olho do sujeito.
“Me vê essa, então”.
Há que se ter presença de espírito.
Não sei se porque as pessoas não entraram em muitas conversas, ou se porque aqui o negócio está melhor do que no Brasil, o outro país que já trabalhei com serviço, não me senti subjugada enquanto atendia os clientes.
(Para quem não sabe, trabalhar com cerveja artesanal no Brasil, como mulher, é passar por teste de conhecimento toda hora. Aconteceu em quase todos os eventos em que servi a cerveja do meu coletivo. “Que fermento vocês usaram? E que lúpulo? Fizeram dry hopping?”. Não é interesse genuíno, infelizmente. É provocação mesmo).
Eu só passei por um momento inconveniente, na festa, quando um sujeito achou por bem tirar com a minha cara. Foi quando servi duas IPAs diferentes, indicando qual era qual, e me voltei de costas para cobrar as respectivas. Quando fui dar o troco, ele perguntou:
“Desculpa, qual é qual, mesmo?”.
Por causa do caos, eu já não lembrava, mas arrisquei: “Eu acho que essa é a Triple IPA, porque pela cor você nota que ela é mais juicy“.
“Nossa, você usou o termo correto”, respondeu impressionado.
“Eu to aqui atrás do balcão por algum motivo, né?” sorri passivo-agressivamente. Ele ficou sem graça.