Mercado cervejeiro cresce na Escandinávia, e suecos tentam formar associação

Venho percebendo, ao longo da minha viagem, que as cervejas mais consumidas em cada país diz muito sobre a cultura local. Os alemães, por exemplo, que são pessoas sérias, fechadas, talvez um pouco conservadoras nos seus hábitos, não poderiam tomar outra coisa que não cervejas baseadas na Lei da Pureza. São restritos, diretos, papo reto.

Ou: quer coisa mais americana do que uma IPA super lupulada? É um estilo que chama atenção, um pouco como seu povo. É a terra do exagero. Quanto mais Dry Imperial Double, melhor. O Brasil, o espelho dos Estados Unidos (segundo alguns sociólogos), segue a linha. Mas também sejamos justos: há muito somebody love nas nossas sours com frutas regionais.  

Na última semana, discutia justamente o padrão de consumo do brasileiro com Mariana Schneider, 34, cervejeira da Amager Bryghus, quando ela me disse sem cerimônias: “Para mim, um dos grandes problemas da cerveja no Brasil é o preço. Sei que é caro produzir, que há muitos impostos e uma logística cara de distribuição. Mas tenho a impressão de que há um quesito elitista, também, na cena artesanal. As pessoas cobram caro porque não é para todo mundo”, analisou. 

Na Escandinávia desde 2014, a brasileira veio de Florianópolis e começou sua carreira na sueca Brewski. Em 2017, mudou-se para a Dinamarca para trabalhar na Amager. “Percebo que o mercado aqui é muito novo, mas que está em expansão. Exportamos muito do que produzimos, o que é interessante porque os rótulos chegam em muitos lugares. O ponto negativo é que a cerveja sofre com a viagem”, compara. 

Mariana
Mariana Schneider e seu cachorro, Kilo, na fábrica da Amager Bryghus, em Kastrup, na Dinamarca (Foto: Maria Shirts)

O contrário também tem ocorrido. Para economizar no traslado e, consequentemente, na pegada de carbono, algumas cervejarias americanas têm tentado se estabelecer na Europa. 

“Os americanos precisam entender que os europeus são mais minimalistas. Não adianta vir aqui e abrir uma fábrica e um bar gigantes, com um monte de funcionários em um terreno enorme e achar que está ‘fazendo barulho'”, exemplificou Irina Carlén, 32, vice-presidente da Associação de Cervejeiros Caseiros da Suécia. 

Violinista, mãe de dois filhos e estudante de pedagogia, Irina me buscou na estação central de Malmö, no sul do país, para fazermos um tour pela cidade. Bastou meia hora de trem para notar a mudança de comportamento entre a Dinamarca e a Suécia. Muito mais rígidos, os suecos têm um sistema chamado Systembolaget, o único lugar do país em que são permitidas as vendas de bebidas com mais de 3,5% de teor alcoólico.

Quando comentei com Mariana sobre as lojas, ela lembrou que a rede funciona como um monopólio do Estado com horários de funcionamento restritivos. “Se queres fazer um churrasco no domingo, esquece. Eles fecham no sábado às 14h e só reabrem na segunda-feira”, disse, como alguém que já passou por isso. 

Systembolaget
Fachada de uma das lojas do Systembolaget, na Suécia (Divulgação)

“Nesse momento estamos tentando nos organizar como um grupo de cervejeiros independentes justamente para dialogar com o Estado sobre a venda e o consumo dessas cervejas artesanais” me contou Irina. Para fomentar a discussão, a cervejeira está ajudando a organizar o evento “Great Swedish Festival Beer“, que acontecerá no dia 26 de outubro, em Malmö. 

Um dos painéis contará com a presença de Charlie Papazian, antigo presidente da Brewers Association, nos Estados Unidos. Um dos nomes mais reconhecidos no mercado, Papazian liderou o movimento de associação de cervejeiros americanos ainda em 1979, consolidando uma cultura que antes era difusa e pouco organizada. Ele também é autor de The Complete Joy of Homebrewing, livro cultuado pelos cervejeiros caseiros e com números expressivos de vendas -900 mil cópias. 

Para alimentar a discussão sobre associações e fomentar esse tipo de organização na prática, Irina também faz parte de um grupo chamado “Minus 1”. “É uma espécie de incubadora de cervejarias pequenas”, me explicou. Eles mantêm uma pequena cozinha de brassagem no subsolo de um hotel, onde abastecem algumas torneiras de seu bar, o Bishops Arms.

“Não conseguimos gerar nenhum lucro. Tudo que vendemos no pub reinvestimos no projeto. Mas, olhando pelo lado positivo, o hotel não nos cobra aluguel e conseguimos apresentar todas essas cervejarias para o público, inclusive a Secret Sisters, que é a cervejaria composta por mulheres da qual eu faço parte”, me explicou. 

“É tipo um brewpub em grupo, então?”, perguntei. “Pode-se dizer que sim. A vantagem é que conseguimos ter bastante braço para ajudar na produção e, como somos em 11 cervejarias, sempre tem alguém brassando. É um modelo de negócio bem coletivo”, concluiu.