Racha uma Breja https://rachaumabreja.blogfolha.uol.com.br Mulheres, histórias e bastidores da cerveja artesanal Mon, 30 Dec 2019 22:19:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Dona da Atrium Brasserie, brasileira conta como é ter uma cervejaria na Bélgica https://rachaumabreja.blogfolha.uol.com.br/2019/09/09/dona-da-atrium-brasserie-brasileira-conta-como-e-ter-uma-cervejaria-na-belgica/ https://rachaumabreja.blogfolha.uol.com.br/2019/09/09/dona-da-atrium-brasserie-brasileira-conta-como-e-ter-uma-cervejaria-na-belgica/#respond Mon, 09 Sep 2019 09:31:28 +0000 https://rachaumabreja.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/abre-300x215.png https://rachaumabreja.blogfolha.uol.com.br/?p=38 A produção da cerveja, o envase, os rótulos, o atendimento e até as paredes do bar da Atrium Brasserie são obra da brasileira Paula Yunes, 33, e de seu companheiro, o belga Valéry de Breucker, 40. Na Europa desde setembro de 2015, o casal veio para o sul da Bélgica pensando em angariar experiência para abrir uma cervejaria no Brasil. Mas a ideia mudou nos últimos três anos, e optaram por abrir o seu negócio em Marche-en-Famenne, região da Valônia, em dezembro de 2018. Leia, abaixo, a entrevista completa com Paula Yunes:  

Como é para você, brasileira, abrir a sua primeira cervejaria na Bélgica? Geralmente as pessoas trilham outro caminho…

Na verdade a nossa ideia era abrir uma cervejaria no Brasil. Mas tudo começou em 2015, quando estávamos em São Paulo e abrimos uma empresa para fazer turismo cervejeiro na Europa. A primeira viagem aconteceu em setembro daquele ano, com um grupo de 15 pessoas. Visitamos diversas cervejarias e, no último dia, fomos conhecer a Fantôme. Acabamos ficando amigos do dono. Quando o tour acabou, resolvemos ficar por aqui mais um tempo. Nossa relação com a Fantôme se estreitou e o Val acabou indo trabalhar lá, na produção. Papo vai, papo vem, o dono chegou a sugerir que abríssemos uma filial da Fantôme no Brasil, mas queríamos abrir a nossa própria cervejaria.

E você veio para cá quando?

Eu me mudei de verdade pouco tempo depois. Escolhemos nos fixar em Marche-en-Famenne porque queríamos viver em uma cidade pequena que, ao mesmo tempo, tivesse oportunidade de trabalho. Estudei francês e trabalhei como voluntária, depois como caixa de supermercado, até começar a fazer um curso de gestão e produção para microcervejarias em setembro de 2016. Como a ideia ainda era abrir nosso negócio no Brasil, achamos que seria bacana estudar para isso. Durante o curso consegui um estágio na cervejaria Fleur du Malt e, já no ano de 2017, enquanto trabalhava lá, nos demos conta de que não havia nenhum comércio na região que juntasse dois conceitos em um: a cervejaria ao bar.

Tipo um brewpub? Não existia nada parecido?

Isso. Algumas cervejarias da região abrem as portas aos sábados para degustações. Mas não são exatamente bares. Vimos aí uma oportunidade. Meu chefe na Fleur du Malt até sugeriu que fizessemos a cerveja lá, mas nós queríamos ter a nossa própria produção. Resolvemos ficar por aqui e já começamos a fazer nosso plano de negócios e contatar agências de desenvolvimento. Fizemos a reforma do lugar durante o ano de 2018, e conseguimos abrir em dezembro.

Atrium Brasseria
Bar da Atrium Brasserie em Marche-en-Famenne, no sul da Bélgica (Foto: Maria Shirts)

E foi fácil conseguir investimento?

Tivemos muita ajuda do governo porque nosso projeto era visto como inédito. Além de ser um bar e uma cervejaria, nós oferecemos cursos, degustações, workshops, quer dizer, era um conceito novo para a região.

De quanto foi essa ajuda?

A repartição entre os investidores foi feita da seguinte forma: 49% foi angariado via empréstimo do banco, 25% foi através de um empréstimo do governo e o restante de investidores privados, menores. 

E qual foi o total do investimento?

Eu prefiro não falar. Mas, de qualquer forma, fizemos de tudo para render. Até as paredes fomos nós que levantamos.

Não basta fazer o rótulo, a cerveja, o envase… Vocês também construíram tudo?

Isso [risos]. A primeira vez que entramos em uma loja de material de construção não sabíamos de nada. Começamos por um galão de um produto de limpeza industrial porque isso [apontando para o chão] estava um bagaço. O chão era de cimento de pedra. As paredes caíam. Esse imóvel, nós descobrimos depois, era uma padaria que funcionava na época da 2ª Guerra Mundial. Um dos nossos clientes conta que, quando ele era criança, saía pela porta dos fundos da escola, que ainda é aqui do lado, para comprar pão. Assim as crianças não tinham que ficar expostas na rua durante a guerra.

Mas então vocês fizeram a reforma inteira?

Com a ajuda de um pedreiro. E do meu sogro, porque ele já havia feito uma reforma no banheiro dele.

Ah, nessa altura ele já era um expert…

Claro, ele tinha experiência [risos]. No início a gente não sabia fazer nada. Quando fomos fazer a cozinha gastamos o primeiro saco de cimento em 1,5m de parede, porque fizemos uma primeira demão muito grossa e acabou tudo. Tivemos que comprar outro. A gente achou que estava arrasando no começo, mas aprendemos no fim. O importante é que economizamos uma grana nesse processo. Íamos gastar só € 100 mil (R$ 450 mil) de reforma.

E vocês estão recuperando o que investiram?

Abrimos em dezembro e por enquanto estamos ganhando o que investimos.  Mas quando tivermos que começar a pagar o empréstimo bancário, teremos que lucrar um pouco mais. Precisamos conseguir sair na rua para vender a nossa cerveja. Hoje estamos vendendo bem, mas para pessoas que vêm nos procurar. O que é bom sinal, mostra que temos demanda e, de fato, estamos vendendo tudo que produzimos. Mas a velocidade com a qual vendemos tem que aumentar para que entre mais dinheiro na conta. Acabamos de contratar um vendedor que vai começar a representar nossa marca. Porque não dá tempo de fazermos isso também.

E como é o movimento do bar?

Flutua muito. Nós só abrimos sexta, sábado e domingo, e geralmente sexta é melhor que sábado. No inverno as pessoas saem bem menos. Se temos uma reserva de mesa grande, automaticamente o bar lota, porque movimento gera movimento. Se chove, as pessoas não saem. Se o dia está bonito, as pessoas querem vir pra cá. Depende de mil fatores. Quando a gente faz evento aqui é muito legal. Ficamos lotados desde cedo. A própria prefeitura da cidade promove um monte de eventos durante o verão, e sempre participamos. Aqui, por exemplo, tem o maior festival da Europa de agrupamento de estátuas vivas. Eu pensava que ia ser muito estranho, mas foi muito legal. A cada duas horas as estátuas mudavam de lugar e as pessoas iam acompanhando. Aqui na frente ficou a estátua do bêbado, por exemplo. Nesse dia, lotamos. 

O casal Val de Breucker e Paula Yunes na cervejaria da Atrium Brasserie (Foto: Maria Shirts)

E o que significa Atrium?

É o hall de entrada das casas romanas. Antigamente elas tinham um hall de entrada com uma janela no teto e várias portas. Tentamos reproduzir essa arquitetura aqui. Além disso, o nosso conceito é o de que este seja um lugar em que as pessoas entrem no universo cervejeiro por várias entradas. Nós queríamos funcionar como um portal de descobertas.

E tem sido bem recebido?

Tem. A gente tinha medo de lançar cervejas que não fossem bem recebidas. A Onyx, por exemplo, nossa Stout envelhecida em barril de amburana, saiu super rápido. Fizemos 1.000 litros e três barris para servir no bar. Na inauguração tivemos que oferecer em copos pequenos porque saiu que nem água. Tem um cliente que vem aqui só por causa da Onyx. E a gente achou que não ia ter saída.

No BXL Beer Fest eu reparei isso. A Onyx envelhecida em amburana fez muito sucesso.

Sim, ela estava no radar porque foi considerada a segunda melhor Stout do Zythos, um festival que acontece na Bélgica todo ano. Foi o primeiro evento que a gente participou. 

Falando em evento, eu ouvi de muitas mulheres com quem estou conversando que, em geral, os cervejeiros se respeitam, mas os consumidores são um problema nesses momentos…

Olha, posso falar pela Bélgica. Aqui eu tenho a impressão de que as pessoas da região flamenga, do norte da Bélgica, respeitam mais uns aos outros do que as pessoas do sul. Quando a gente conversa com outros cervejeiros da parte flamenga, eles me tratam super bem. Aqui, não. Aqui é raro. Tem gente que entra aqui no bar perguntando pra mim “cadê o chefe?”. E, além disso, o humor belga é muito diferente. Não é pessoal. Ou melhor, o que para nós é pessoal, para eles não é pessoal. Se eles tiram um sarro com a sua cara você tem que rir e fazer uma outra piada para desarmar o cara. Enquanto você não faz isso, eles vão continuar.  Agora, eu estou tentando não ficar mal com isso. Se não eu vou ficar mal todos os dias. E eu já tive essa fase. Eu já tive pânico do bar, sendo que eu gosto do bar. Outro dia um senhor insistiu três vezes para que eu chamasse o cervejeiro, depois de eu responder que eu também produzia as cervejas, de modo que eu falei: “É difícil, né, admitir que uma mulher também pode ser cervejeira?”. Às vezes tem que chegar a esse ponto, sabe?

 

]]>
0